
Lado A.
Escrevo sobre coisas passadas em algum velho janeiro. O que ficou nesse verão tardio foram porres, delírios e uma solidão viscosa que embriaga a todos na pequena cidade ao sul de todo o sul.
Desempregado, passo as tardes escrevendo sobre o que poderia ser e jamais consegui ser.
Uma espécie de autópsia da alma feita enquanto respiro, enxergo e grito. Se bem que esses gritos já foram sufocados há muito tempo.
Mas o que digo é que fico cansado de vivenciar e observar as vidas cheias de lama e torpor que se amontoam pelo centro da cidade. Todas apagadas em fé desesperadora e um acalanto tomado de pesar que os tornam seres mofados e ocos, sorrindo por ilusões baratas.
Vemes, insetos em volta do neon dos bares. Restos de nada com nome, sobrenome e RG.
Por isso pareço cada vez mais cheio de luto, no olhar e até nos verbos que deixo a ferrugem tomar. Não falo. Passo a ponta para outros que vivem suas quimeras com gargalhadas afoitas. Pensam que o mundo é deles. Coitados, as horas que se arrastam são a véspera de nosso fim. Passo a bola e vou de olhos cerrados ver o vinil ficar mais arranhado.
Belo blues, cheio de swing, algum negro endividado com o demônio canta abafado sobre sua alma. Alma? Nesse apê? poderia ser a salvação se houvesse alguém que cantasse para mim.
Desista.
Encha o copo com sede, tente dormir. O verão apenas começou.
Lado B.
Não consigo acostumar essa alma moribunda com doses apáticas de rotina. Preferia enlouquecer, mas será que não é isso que me perturba: Ter vontade de ficar louco, rodar o mundo sem um giro qualquer, apenas pelas órbitas dos olhos, ver mil imagens desconexas e sentir liberdade? Dizem ser a loucura uma reles prisão que acomete os que não souberam perder. Eu digo que a demência é a liberdade sentida, plena e completa sem as algemas da sociedade.
Por isso deixo aqui alguns aforismos. Opa! palavra bonita esta. Diz o caro Aurélio que aforismos são citações breves. Eu digo que são pensamentos necessários, urgentes. Tolices que vestem os idiotas de sábios, porém sabedoria é uma anestesia para esquecermos facilmente de nossos medos.
Ditados, frases de efeito, citações bem postadas, olhos marejados por cenas expressionistas... balela, nossos dias apressados não precisam de sábios. Hoje os sábios vendem marketing e ousam ao proferir que o mundo só é permitido aos vencedores, e não é verdade?
Até Orwell virou programa de televisão.
Quem quer dinheiro, entrega a alma à salvação. Diz o pastor que cursou todos os cursos de vendas e motivação.
O povo não quer fé, só quer fama.
E nos blogs, e nos fotologs há desesperança e entrega aos flashes, como um escape a mediocridade dos novos tempos. Então, somos entregues à promessas, o que você vai ser quando crescer? O mundo não precisa de filosofia.
Todas as possibilidades estancaram. As palavras que precisam ser ditas calaram-se brevemente. O questionar, tão preciso tornou-se engodo. Chega de palavras bonitas não traduzidas na rua, lá palavras e gente são servidas como pedaços de pão aos pés de Deus.
Dobrem os sinos ao infelizes que se arrependem de viver! Urgência na procura exata de uma palavra para definir o impossível.
Eu preciso apenas de um verso...
Aqui neste pampa sombrio a vida parece se esconder.
Tímida e prosaica, enluta a todos que almejam correr
para longe.Longe demais de tudo.A alma do pampa é feita de distâncias.
Flores postas na ceia,
Fome aos cotovelos do mundo.
Talheres com brilho,
agora em silêncio de ferrugem.
Deserto verde.
Fotografias amareladas
daqueles pensamentos que não revelei.
O tempo realmente não pára!
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