Clarah quer ser diva. Mete-se dentro de um casaco negro godiva em trejeitos de Garbo. Ela fuma apressada. Unhas vermelhas roídas pela tensão de que o mundo anda em rotineiras voltas e mais voltas...
Ela me convida para assistirmos à fitas de Visconti. Anda em passos trôpegos fugindo da chuva. Eu insisto: Clarah aqui é Bagé, sabe o sul? Sim, pior que o sul do paraíso.
Ela não entende.
Acha que o mundo é como seus filmes, livros e discos. Um tempo bonito, mas que já está virando bolor.
Tudo bem.
O seu profile no Orkut com suas fotos abstratas e poses darks são para escapar, que aqui o pão é acompanhado de margarina; o café tem gosto de café, e seus pais fazem arroz com churrasco todo domingo. Tudo bem, que seu coroa está com dívidas e prefere a companhia de uma cerveja aos seus carinhos. E sua mãe está gorda de tanto consumir bolas pra insônia.
"Entenda minha filha que a vida é sempre a mesma".
Ela discute, finge ser inglês. Me xinga em gírias típicas da Picadilly, parecendo uma desbundada chorosa pelos Beatles. Ela não entende.
Que tudo já passou.
Aí resolve fugir. Diz que não vai voltar. Me esqueça! Brada aos ventos do sul.
Ela pensa que amanhã o sol não irá nascer.
Aí volta sempre com suas faces imitadas em espelhos de banheiros imundos. Caras e bocas de musas pálidas em polaroids. Ela sabe mentir.
Fala que amanhã estará lindo o cinema. Que é por lá que ela se encontra. "O cinema expõem meus sonhos coloridos", afirma com a boca em um vermelho cor de sangue.
Para confessar em lânguida que após a projeção continua só, triste e derrotada.
Vítima do mundo, Clarah corta desenhava outras tatuagens com cacos de vidro. "Agora é pra valer!" ela suspira.
Sem aquele "end" sorridente, e o leão da Metro afável em comerciais de celular, Clarah fala com voz mono que aqui não é seu lugar.
Falo que nada disso adianta: "Se quer uma vida melhor vá embora, compre uma moto, viva a vida, conheça o que você tanto quer conhecer".
Dá de ombros, fala alto: Para quê tanta besteira, tentar ser menos alienada, pra que?
Se o mundo está tão devagar
Com seus "mundinhos" sem graça high tech.
Metáforas de parabólicas para se explicar".
Finjo atenção.
- Não me pergunte o que serei
Só o que sei é me esconder. Diz trêmula.
Vivo bem atrás de fotos, de poses e nomes artificiais.
Enquanto essa luz me afoga
Submersa em mares de palavras
Eu não sei nadar...
Eu não sei nadar...
Eu não sei nadar,
Nesse navegar de peixes mortos.
Mentiras e ambição.
Todos na fila bancando heróis mortos em velhos jeans,
esperando que o tempo traga aquela boa resposta.
Mas eu não sei, onde posso erguer a boca para respirar...
Clarah pega um pedaço de vidro quebrado e encena uma reles tragédia
"Veja como dilacero esse retrato de pele pálida
Com lápis afiado". Anuncia.
Ergue o corpo e na frente de todos do bar 24 horas, começa a chorar.
Entre sussurros, lágrimas e prantos, cada gota de chuva molha a areia do tempo, escrevendo que a porta está trancada.
Clarah volta ao silêncio.
Quando encontrarem seu corpo estará lá junto ao vidro e aos pulsos rasgados umas frases desconexas para aqueles que pensavam entender Clarah.
"Eu esperava alguém bater.
O que vejo são meus sonhos em púrpura névoa
Desaparecerem
Para esse mundo estranho,
cheio demais
de estranhos.
Todo esse povo exibicionista
Sadio como fotos de revista
presos à publicidade
Que cega
Não me filma
Só me esconjura:
Você está fora da moda!!
Por que vocês não me encontraram?
Clarah queria ser diva. Bela, pálida eterna.
Suas fotos são mais bonitas agora. Ela estaria feliz.
Clarah estaria feliz porque dessa vez não foi apenas ela que acabou chorando.
sexta-feira, 16 de março de 2007
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